Câmara endurece regras contra quem usa dívidas fiscais como estratégia de negócio
Projeto segue para sanção e abre caminho para atuação conjunta entre empresas e Receita na prevenção de fraudes tributárias.
A Câmara dos Deputados aprovou o projeto que redefine o tratamento dado ao devedor contumaz e cria mecanismos para aproximar empresas da Receita Federal no cumprimento das obrigações fiscais. O texto, enviado para sanção, nasceu no Senado e classifica como devedor contumaz quem acumula tributos de forma repetida e consciente para escapar do Fisco. A proposta determina a abertura de processo administrativo antes da classificação definitiva, com direito de defesa e critérios objetivos para identificar dívidas consideradas substanciais.
O relator, deputado Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP), defendeu o avanço do projeto e afirmou que a medida diferencia de forma clara o atraso eventual da inadimplência usada como estratégia comercial. “Empresas que utilizam o não pagamento de tributos como vantagem competitiva ilícita distorcem o mercado e prejudicam o investimento produtivo”, disse. Para ele, as restrições previstas preservam quem cumpre as regras fiscais. Rodrigues destacou ainda que a ampliação da concorrência não pode servir de pretexto para tolerar práticas que favoreçam quem sonega. “Se o processo de concorrência for fraudado no sentido em que não são as empresas mais eficientes que ganham participação de mercado, mas sim as que mais sonegam, a economia do país se torna menos eficiente”, declarou. Ele classificou essa vantagem tributária indevida como “enorme desserviço” ao funcionamento do sistema econômico.
A proposta adota dois caminhos: enfrentar quem transforma a inadimplência em método e criar incentivos para a cooperação fiscal. Para isso, utiliza programas como Confia, Sintonia e OEA, direcionados à autorregularização e à transparência. Segundo Rodrigues, essa lógica premia o contribuinte que segue as normas. “Tais incentivos financeiros e processuais atuam como estímulos positivos, recompensando o bom pagador e induzindo a um maior grau de conformidade voluntária”, explicou. Ele afirmou que a possibilidade de reconhecer débitos e apresentar um plano de ajuste reduz conflitos e acelera o diálogo. “O projeto representa passo decisivo para a modernização da gestão fiscal brasileira, equilibrando a repressão à fraude com o fomento à conformidade cooperativa”, afirmou.
A dívida é considerada substancial quando ultrapassa R$ 15 milhões e corresponde a mais de 100% do patrimônio conhecido do contribuinte. Estados e municípios terão um ano para definir seus próprios limites; depois disso, passam a valer os mesmos parâmetros. O conceito de reincidência envolve o não pagamento de tributos por quatro períodos consecutivos ou seis intercalados em um ano, em ciclos mensais ou trimestrais. A classificação exige também que não haja justificativa plausível para o acúmulo da dívida.
O contribuinte poderá comprovar que deixou de pagar tributos por motivos como calamidade pública reconhecida, resultado financeiro negativo no exercício atual e no anterior ou ausência de manobras para ocultar patrimônio, como distribuição de lucros ou empréstimos que reduzam a base de cobrança.
O texto também define o devedor “profissional”, ligado a empresas que fecharam nos últimos cinco anos deixando dívidas iguais ou superiores a R$ 15 milhões. Diversos valores podem ser descontados desse cálculo, como discussões judiciais relevantes, parcelas suspensas por decisão judicial e atrasos em acordos de transação ou parcelamento.
Quando houver indício de devedor contumaz, a Fazenda deverá notificar o contribuinte, que terá 30 dias para pagar ou apresentar defesa. A classificação gera penalidades. Confederações patronais poderão questionar a medida em nome das empresas associadas até a decisão final, sem possibilidade de recurso. Não haverá efeito suspensivo em casos ligados a empresas criadas para fraudar, organizações atuando para não recolher tributos ou uso de mercadorias roubadas, falsificadas ou contrabandeadas.
O processo será encerrado se a dívida for quitada e ficará suspenso se o contribuinte negociar parcelamento e mantê-lo em dia. A reincidência no atraso reabre a classificação como devedor contumaz. A situação também é revertida se não surgirem novas dívidas desse tipo, se houver pagamento ou se for demonstrado patrimônio suficiente para cobrir os débitos.
No plenário, o líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE), afirmou que o texto combate a sonegação e protege quem cumpre as regras. “Isso tem um impacto grande [para o equilíbrio] das contas públicas”, disse. O deputado Hildo Rocha (MDB-MA) afirmou que a proposta descreve de forma correta a atuação de quem usa a inadimplência como vantagem comercial. “Ele cria a empresa para ter um diferencial competitivo, que é não pagar impostos. Ao não pagar, consegue vender com margem de lucro menor e maltrata outras empresas que pagam corretamente.” Rocha disse que o projeto enfrenta tanto o sonegador quanto estruturas ligadas ao crime e favorece quem paga seus tributos.
O deputado Capitão Alden (PL-BA) afirmou que o texto desarma a “lavanderia financeira” que sustenta crimes e práticas ilícitas. “Dinheiro é munição, e o Estado perde a guerra quando não controla o fluxo financeiro que alimenta facções, milícias e esquemas de corrupção”, disse. A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), vice-líder do governo, afirmou que a medida atende reivindicação antiga da base governista. “Estamos enfrentando a fraude contra o Erário. Por consequência, ataca a lavagem de dinheiro e pode alcançar o crime organizado.” O deputado Bohn Gass (PT-RS) citou a operação Carbono Oculto como exemplo da urgência na regulamentação. A ação, conduzida pela Receita e pelo Ministério Público paulista, desarticulou esquema de sonegação, adulteração de combustíveis e lavagem de dinheiro ligado ao Primeiro Comando da Capital.